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cinema inferno

nem sempre as viagens “inspiradas” no cinema precisariam ser um subproduto forçado, superficial, que nada fala dos lugares visitados e do qual a obra cinematográfica definitivamente não precisa.

penso nos roteiros que brotassem como florescências regadas pelas verdades de uma história, o que só é possível quando o cenário dessa história é, no mínimo, o segundo personagem mais importante.

penso em roteiros de perda. ilusórios como qualquer turismo, eles seriam a esperança do turista vivenciar, através do terror de se meter nas áreas mais obscuras de um lugar, as intimidades mais sinceras da cidade.

seria assim um longo passeio por ônibus e calçadas da teeran pouco solidária que não mostra os caminhos da garotinha em AYNEH.

seria assim uma caminhada por toda a madrugada do que há de mais decrépito do centro do recife, torcendo para que apenas as ruas, mas não os fatos, de AMIGOS DE RISCO se apresentassem.

seria assim ir a fargo, alheiar-se de qualquer estranheza e simplesmente resfastelar-se no nada de FARGO.

Os nomes próprios

franceses são os mais variados. Dubois talvez seja o Silva francês, mas entre muitos outros nomes de famille, a que se misturam, desde muito, sobrenomes de origens diversas.

Algo similar acontece com os nomes de cidades.

Por um lado, muitas delas se apóiam nos nomes dos rios que as cortam: Neuilly-sur-Seine, Marne-la-Vallée, Toulon-sur-Allier, Saint-Pourçain-sur-Sioule, assim como as regiões administrativas.
Há outros nomes mais francesinhos, mas mesmo assim estranhos: Sucy-en-Brie, Mantes-la-Jolie, Mâcon, Brest, que sempre parecem esconder algo.

Alguns são nomes de coisas – Moulins, Tours, Orange, Cassis, Lyon – ou muito simples –  Nice, Cher, Var, Ain, Pau, Gap. Mesmo depois da revolução francesa, algumas têm nome de santo.

Dentre todas essas que estão na minha mente, o nome de que queria falar aqui me fugiu.

Era um 14 de julho. Estava em Vichy – cidade que carrega o fardo, até hoje, de ter hospedado (literalmente, em seus hotéis de luxo) o governo aliado de Hitler; é só dizer a qualquer francês – estive em Vichy – que te olham com uma cara bizarre.

Vichy, não fosse somente por sua sombria história (ou poderia dizer que sua sombria história se deva a isso), fica numa região um pouco esquecida. Bem no centrão da França, a Auvergne (Auvérnia, em português). É a região cortada a sul pelo Maciço central, uma série de antigos vulcões que hoje oferecem paisagens verdes e redondinhas, um parque temático sobre vulcões, Vulcania, estações termais como em Vichy, muita água mineral e pastilhinhas brancas que lembram as garoto que temos por aqui. Já ia me esquecendo dos cosméticos Vichy…

Contrapondo-se à história vergonhosa de Vichy, a Auvergne conta com um gaulês lendário, Vercingétorix, que lutou contra a invasão de César, mas perdeu. Na série de paralelos forçados que vou ainda traçar aqui, Vercingétorix seria um Tiradentes, herói ressuscitado pelos republicanos para dar glória à História francesa. Há estátuas dele em algumas cidades, seu nome inspirou os autores de Astérix e rendeu ao menos um episódio da série, “O escudo arverno”.

Volto ao 14 de julho, segunda-feira. Tinha reservado um lugar no ônibus da excursão para Salers – agora recupero seu nome, indo buscar na revista Géo número 353, dedicada à Auvergne, lançada justo quando estava lá, julho de 2008. Mas quando soube que no feriado nacional eu teria aula, porque afinal somos estrangeiros e o 14 de julho não nos significava nada (eis a justificativa maldosa do diretor da escola), fui contrariada devolver meu bilhete. Poderia ter faltado à aula, poderia ter ido mas não fui. E até hoje Salers é uma não-visita muito sentida.

De Salers só me resta, quando pouco o seu nome, que eu já tinha esquecido, os relatos de quem foi e se maravilhou, a linda foto e a descrição da revista.

Nas minhas não-visitas, Auvergne estaria para Tocantins (em forma de chapéu, ambas no meio do território, entre anexações e separações) assim como Salers estaria para Pugmil (nomes que eu não posso esquecer).